Fomos acordados pela campainha da porta pelas 7 da matina: era o meu irmão Joel, que morava no mesmo prédio, e que tinha ouvido algo de diferente na rádio. É hoje, pensámos. Há muito que se esperava que algo acontecesse.
Eu só teria aulas à tarde, mas o avô Henrique decidiu meter-se no carro e ir para o Baptista Russo, onde trabalhava. Fiquei sozinha em casa com a filha Rute, muito pequenina para entender fosse o que fosse, mas capaz de sentir a instabilidade emocional da mãe. Isto, enquanto o tio Joel ia avisar os avós em casa deles. Não havia telefone, nem na nossa, nem na casa do tio Joel... E ainda não tinham inventado os telemóveis...
O avô Henrique acabou por regressar cedo. Fomos tentar fazer compras, aí pelo fim da manhã. Nunca tinha visto um supermercado tão vazio. Foi mesmo a sensação de catástrofe iminente. De pão, nem cheiro!
À tarde, fomos até ao café, onde fomos ouvindo o que se passava, até a revolução ser dada como triunfante.
Para jantar, os nossos amigos e vizinhos António e Alcinda, que tinham vindo há pouco com um bom presunto de Trás-os-montes, convidaram-nos e ao tio Joel e tia Lena para partilhá-lo. Não havia pão, mas foi um jantar inesquecível.
Nos dias seguintes, fui assistindo à prisão dos pides, já que o Externato Acrópole onde eu trabalhava era pertinho da Rua António Maria Cardoso, sede da Pide. Vários dos meus alunos adultos eram pides ou carcereiros da Pide. Algumas vezes tive que correr, por ouvir tiros atrás de mim.
Enfim, foi uma altura muito importante na História, que vivi mesmo ao lado dos acontecimentos.
Esse cartaz que coloquei aí em cima esteve décadas pendurado numa parede de nossa casa.
Gostaram da história da avozinha, netos?
